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terça-feira, 2 de abril de 2013

Colheita na Abundância*


De repente, ouço um estrondo. Algo caiu lá no chão no quintal. Logo penso que foi um abacate. Vou em busca dele por entre as folhagens plantas, galhos, raízes... e encontro a maior graviola que eu já vi e toda minha vida. Inteirinha. Sem um machucado. Oferecendo-se. Quando a abri, não pude acreditar em meus olhos. Um branco que não é cor de tinta branca. É cor de branco da natureza. Nenhum machucado, nenhum bichinho intruso, nenhum pretinho daqueles que geralmente acompanham as graviolas que colho no meu quintal. Não ligo para eles e os bichinhos que os provocam. Sempre ainda sobra muita graviola para suco, cremes e mousses. Mas confesso que foi impactante ver aquele fruto tão saudável, tão inteiro, tão branco e tão majestoso ali na minha frente.

Outra vez, foi parecido. Daquela vez, eu estava na varanda pensando no que faria para o almoço. De repente, aquele som surdo de coisa caindo em cima da serapilheira que cobre o chão da minha florestinha. Era um abacate. Enorme e maduro. Prontinho para virar guaca mole. Um luxo. O abacate do meu quintal já está famoso de tão bom que ele é. Fruto enorme, caroço pequeno. Muita polpa, verde clara, sem fio, macia, sedosa e saborosa. De vez em quando encontro alguém que não vejo há tempos: “Ei, quando vamos colher abacate no seu quintal de novo?”. O abacateiro é tão grande que é necessário uma operação especial para a colheita. No mínimo 3 pessoas. Uma para subir e cortar com o podão o pendão do fruto. E dois para segurarem o pano lá embaixo que amortecerá a queda do abacate lançado lá de cima pela primeira pessoa. Como é uma trabalheira subir lá no topo, já colhemos tudo o que damos conta. No mínimo 20 de cada vez. Depois dividimos a colheita entre os participantes. Abundância...



A abundância é a regra da natureza. Ela sempre está em busca de produzir excedentes para que todos tenham fartura. Os sistema naturais, quando estão muito doentes e degradados, precisam de um tempo para acumular matéria e energia. Depois desse período de acumulação, começa o período de prosperidade no qual a produção é maior do que a necessária somente para a própria manutenção. Produção de frutos, sementes, folhas, raízes, galhos... Abundância que permite que cada vez mais seres possam ali se fartar. O sistema vai se tornando cada vez mais rico e complexo. Quando a abundância é muito grande, o sistema até pode exportar essa abundância e ajudar na recuperação de outros sistemas ao redor.

Então, primeiro o sistema acumula, depois exporta. Inverter as coisas é um desastre. Tentar extrair matéria e energia de um sistema que ainda está em acumulação é sempre uma operação muito delicada. Deve-ser fazer com muita cautela para evitar que o sistema emperre, se machuque ou até volte para trás. Há que se pensar sempre em como ajudar o sistema a ir para frente, para a abundância, e não o contrário. Mas, quando a gente chega na abundância... ahhhh... é o deleite, a colheita farta, a tranquilidade, a paz... e podemos então (devemos?) dividir, espalhar, doar.

Mas para chegar lá, muito serviço. O bom, é que no quintal, o serviço é bom demais... cortar, picar, podar, plantar, cobrir o solo, semear, cuidar. A natureza só pede que sigamos seu fluxo. Observando, interagindo, entrando em contato empático com a natureza, ela nos mostra o que devemos fazer para ajudá-la. Aguçar os sentidos é a nossa tarefa. Uma tarefa que não acaba nunca pois que sempre mais profundamente é possível entrar nessa relação de intimidade entre seres. Entre todos os seres.

Mas mais do que serviço, também bastante paciência. Paciência para esperar, serenamente e, em serviço, a colheita e a abundância. 

* texto originalmente publicado no Jornal Deusa Viva, da Teia de Thea (teiadethea.org), edição de março de 2013.