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terça-feira, 26 de março de 2013

Mutirão Agroflorestal, a Alegria de Fazer Parte


O Mutirão Agroflorestal, organização e movimento dos quais faço parte desde os seus inícios respectivamente em 2003 e 1996, surgiu no desejo que um grupo de amigos tinham de fazer parte, de participar, de agir, de aprender fazendo e, principalmente, de fazer tudo isso juntos. Naquela época, eu quase nada sabia sobre Agrofloresta. Passados 17 anos, a Agrofloresta se tornou meu modo de ver o mundo, o viés pelo qual penso, sinto e ajo. Naquele início, fazíamos encontros a cada um ou dois meses, viajando para sítios, chácaras e fazendas de agricultores ou de algum de nós mesmos, para praticar, plantar, manejar, celebrar, dançar, cantar e, principalmente, para estarmos juntos. O tempo passou, o movimento se tornou organização não governamental. Nos espalhamos pelo país, pessoas sumiram, outras chegaram. Projetos, sonhos, consultorias, palestra e eventos depois, é nos mutirões agroflorestais que nos sentimos mais Mutirão Agroflorestal. É no manejo, no plantio, no exercício da convivência em alegria e respeito que nos sentimos parte dessa família. Mesmo quando apenas alguns de nós podem estar presentes, os outros distantes ou atarefados, sentimos a presença de cada um dos que tanto nos ensinaram e inspiraram. E é com as mãos nas plantas, sementes e terra que nos sentimos realmente participando do ciclo da vida.

Essas palavras saem dos meus dedos inspiradas por um fim-de-semana cheio de mutirão agroflorestal. No domingo, dia 24, renova-se a amizade e parceria com Mangala e seu Ateliê Angico para realizarmos juntos um mutirão de manejo. Pessoas queridas e outras desconhecidas juntam-se a nós nessa aventura que é o serviço totalmente desprendido de trabalhar para deixar um pedacinho do Planeta mais bonito e cheio de vida. Gratidão, Mangala!



Foto: Marco Gonçalves

Antes de começar, em círculo, combinamos o que vamos fazer. Muita gente nova, é necessário alinharmos alguns conceitos.


Foto: Marco Gonçalves


Um dos grupos dedicou-se ao manejo de uma touceira de banana! E a galera caprichou: assim é que se faz ao cortar os pseudocaules que já produziram, deixando esse funil para evitar a propagação do moleque da bananeira.


Foto: Marco Gonçalves

Outros, como eu e esses todos que estão na foto, nos dedicamos a cortar tudo o que estava velho, podar o que precisava ser podado para depois cobrir bem o solo, principal tarefa do agroflorestador. Vejam só na foto aí embaixo como Narmada e Luciana dedicam-se concentradamente a essa tarefa tão essencial.


Foto: Marco Gonçalves
Foto: Marco Gonçalves





Surpresa surpreendente e celebrada, a aranha carrega seus ovos fugindo dos nossos facões.



Foto: Marco Gonçalves

Mudas de ipê, café, cajá, tangerina, jatobá, siriguela e sementes diversas vão para o chão, lá onde é o seu lugar. Ah... taí uma das coisas mais gostosas do mundo... plantar...

Foto: Eduardo Rombauer
O que mais me emocionou? 
A fala de um dos participantes, ainda novato em mutirões agroflorestais, quando partilhou seu sentimento de surpresa com a leveza e amorosidade com que nós realizamos nossa tarefa. O grande barato do mutirão agroflorestal é que transformamos não somente o lugar onde realizamos nossa intervenção, mas também aquecemos os nossos corações, unindo-os uns aos outros em sonhos comuns. Que sonhos? Sonhos de paz e abundância para todos os Seres. É assim um mutirão agroflorestal. 

Agradeço ao Marco Gonçalves que registrou tudo e cedeu as fotos para que publicássemos aqui. Valeu Marco! Exceção de autoria é a foto do grupo, feita pelo Eduardo Rombauer para que o Marco pudesse aparecer!

Quer ver mais e outro jeito de contar a história? Visite o blog do Ateliê Angico que a postagem da Mangala tá show: http://www.atelieanjico.blogspot.com.br/2013/03/mutirao-agroflorestal-2.html

domingo, 3 de março de 2013

Gratidão ao Quintal Agroflorestal*




Passo o dia procurando prá lá e prá cá, rodando como barata tonta pela casa, procurando anotações, lendo trechos de livros, textos, artigos e finalmente, já de madrugada, vou para o quintal em busca de inspiração para escrever este artigo. Adentro um quintal totalmente diverso daquele que encontrei há pouco, no meio da tarde. Outros sons, outros movimentos. O ruído dos cupins trabalhando, um farfalhar rápido de folhas que denuncia a passagem de algum animal, ruídos leves de bichinhos diversos e ocultos. Aves, répteis, insetos? Penumbras, sombras, luzes de lâmpadas de postes atravessando os espaços há poucas horas ocupados pelos raios do sol. Aos poucos, meus olhos se acostumam com as cores da noite e os vultos começam a se tornar familiares.
Sento-me em um dos cantinhos mais aconchegantes do quintal, sob o enorme abacateiro. Ao lado, a jabuticabeira exibe na penumbra recortada por rajadas de luz sintética os seus galhos tortuosos que se entrelaçam em um balé em câmera lentíssima, invisível à maior parte dos olhos humanos acostumados com a alta velocidade da vida moderna. Olho para cima e percebo que as folhas do guapuruvu estão todas fechadinhas deixando a luz da lua chegar até o cafeeiro que se encontra logo abaixo, como persianas abertas para deixar a luz entrar na casa. Fantasio que o guapuruvu fecha suas folhinhas só para presentear o cafezinho com um banho de luar.
Fico esperando a inspiração chegar... e nada.
Resolvo caminhar, lentamente, observando, procurando pistas e dicas.
Encontro uma mudinha pequenina de cupuaçu que plantei há cerca de 1 mês. Ela começou a lançar folhas novas, peludas, vermelhas. Sinal de que está feliz naquele lugar. Meu coração se alegra e se enche de amor. Olho em volta. No raio de 3 metros de onde estou, olho em todas as direções e conto 34 diferentes espécies. As que consigo ver naquela meia luz. Algumas com vários representantes. Todas ali ao meu redor, ao alcance dos meus olhos, da minha voz e da minha intenção. E me sinto inteira gratidão. Conheço cada um desses seres. Alguns já estavam ali quando cheguei, outros chegaram trazidos pelo vento ou pelos passarinhos, mas grande parte foi plantada por mim. Lembro das sementes que lancei e não germinaram, das mudas que plantei e morreram, das árvores que participaram dos meus experimentos de poda e não sobreviveram. Logo ali, um pequeno açaizeiro nascido de sementes presenteadas por amigo querido lança dois perfilhos, dois brotinhos laterais que formarão a touceira. Ao seu lado, um ingá de metro que podei no último manejo, feito na colheita dos frutos suculentos com gosto de infância. O chão ao redor todo coberto com a generosa massa resultante desse manejo. Atrás de mim, pendura-se um maracujá quase maduro. O último desse pé. Acima, o majestoso ipê roxo, agora todo folhoso, cuida de todos nós aqui embaixo. Agarrada ao seu tronco, uma orquídea abriu, nesta semana, 4 flores que recebem os visitantes na entrada no nosso lar...
Percebo o resultado do manejo que fiz nesse lugar há poucos dias. O jardim todo responde com beleza ao cuidado que lhe dediquei. As formas harmônicas, as folhas reluzentes, as cores, a diversidade de tamanhos, arquiteturas, a beleza de cada uma daquelas plantas, tão diferentes uma das outras, e todas igualmente belas. Sinto-me como quando estamos em uma festa cheia de amigos queridos. Sinto-me rodeada de vida. Imagino a vida existente sob a serapilheira, os bichinhos todos trabalhando incansavelmente para adubar meu jardim. E sinto a gratidão invadir meu ser. Agradeço a companhia, os aprendizados, a beleza e a abundância. Declaro o meu amor. E quanto mais declaro meu amor, maior a intimidade que nos une. E a intimidade amplifica o meu amor.
Meu quintal é como uma criança pequena. Se não lhe dou atenção, ele fica com cara de abandonado, com excessos aqui e faltas ali, coisas secas por cima de coisas vivas, uma bagunça aos sentidos, ninhos de vespas que se formam aproveitando minha ausência. Ao contrário, se lhe dou atenção, mesmo que não seja o tanto de tempo que ambos gostaríamos, mesmo que eu não dê conta de manejar o quintal inteiro; todo ele desabrocha, fica lindo e declara seu amor por mim em beleza explícita. Quando estou inteira, quando me entrego à nossa experiência de interação, quando ouço, olho, observo, converso, presto atenção... meu quintal, assim como uma criança manhosa, deixa de gemer. Ao contrário, sorri e fica colorido. Depois de algum tempo distante, voltei a dedicar algumas horas diárias ao cuidado com o quintal. E lindo, ele me agradece. Sinto vontade de filmá-lo novamente, de mostrar os novos habitantes, novos ângulos, novos pontos de vista. Sinto-me invadida pela inspiração e imagino o filme que acontecerá. Não sei se a experiência rendeu um texto, mas certamente resultará em um filme!

* Texto originalmente publicado na edição de março de 2013 do jornal "Deusa Viva"da Theia de Thea (www.teiadethea.org)