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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Quem Molha... Olha.

Mamãe Helena Jardineira por Janaína, 2011


Quando chega a seca, nova tarefa se impõe: a de, diariamente, molhar as plantas do meu jardim agroflorestal. Um dia sem molhar no auge da seca pode ser fatal, principalmente para as hortaliças que tão generosamente nos alimentam.

Para otimizar meu tempo e o uso da água, uma estratégia que implementei no meu jardim foi a de dividi-lo em 3 zonas. A primeira zona é a que não molho nunca. Como não há vida sem água, as plantas que aí moram são, além de resistentes à seca, capazes de desenvolver raízes muito longas que buscam água nas profundezas da terra. Outras são capazes de aproveitar ao máximo a umidade do orvalho pré-matinal até a época de chuvas abundantes retornar. Nessa zona, as nativas ficam bem, já que são totalmente adaptadas ao regime hídrico da região. Nesta zona ficam as áreas mais afastadas da casa, onde há principalmente árvores e bananeiras (que nem ligam para a seca) e plantas tão adaptadas aos ciclos de chuva-seca que parecem morrer na seca para renascerem vigorosas nas chuvas como, por exemplo, a taioba, a cúrcuma e as helicônias. Aí também estão as suculentas como a Folha da Fortuna, que não pode faltar em nenhum jardim, não somente por conta da sua lindíssima florada, mas também por suas muitas outras qualidades.

folha da fortuna em flor
A Folha da Fortuna, cujo nome Yorùbá é Àbámodá (que significa “O que você deseja, você faz”) representa a multiplicação e a prosperidade. É capaz de afastar coisas nefastas e trazer muitas realizações. Os herbalistas a usam para a cura de doenças de pele, como feridas, furúnculos, úlceras e dermatoses em geral. Também é diurética, combate encefalias, nevralgias, dores de dente, diabetes, coqueluche e afecções das vias respiratórias.*

Meu cuidado com essa zona que nunca irrigo é o de cobrir o solo com folhas e galhos, o que protege as raízes do ressecamento e mantém um ambiente apropriado para que sementes, tubérculos e rizomas durmam sossegados na terra até que as chuvas novamente molhem o solo, despertando-os para o verão.

A segunda zona é a que eu molho semanalmente. Vivem aí somente as plantas que suportam este ritmo de irrigação. Como o jardineiro de Cecília Meireles, jogo água sabendo que não conseguirei molhar o solo de verdade. Mais do que matar a sede das plantas, molhar tem, nesta zona, a função de me colocar em contato, de me fazer presente, de me fazer olhar para cada uma das plantas ali viventes e dizer-lhes do meu amor. Aí estão também plantas que não suportariam ficar sem água durante muitos meses, mas que ‘seguram a onda’ da seca com uma leve molhada semanal. Não insisto em manter nessa zona as plantas que sofrem sem a água diária. No início da época das chuvas, planto muitas sementes, estacas e mudas novas para descobrir quem são as que melhor se adaptam à irrigação semanal. Tento e experimento abundantemente, sabendo que somente algumas ficarão no lugar. Não insisto com as que não aguentam, artificializando demais as condições ambientais. Deixo para lá e tento outras. Algumas das que tenho nessa zona, além das árvores ornamentais e frutíferas (que não dependem da minha irrigação depois de estabelecidas) são agave-dragão, mirra, íris, babosa, framboesa, entre outras. Aliás, muitas plantas adoram esse regime de irrigação. Suas raízes nem gostam de solo encharcado e podem apodrecer se molharmos demais.

Finalmente, a terceira zona é a que molho quase todos os dias. Aí ficam as flores da entrada da casa, as hortaliças, o canteiro de temperos e medicinais, além de algumas mudinhas amazônicas que plantei recentemente e que gostam de muita água como o açaí, a pupunha e o cupuaçu. A maior parte dos temperos e medicinais tradicionais tem origem mediterrânea (hortelã, manjericão, salsinha, etc.) e adoram o ar seco e o friozinho da nossa estação seca. Molhando o solo diariamente, é nessa época que ficam mais lindas, saudáveis e produtivas, assim como as hortaliças tradicionais (alface, mostarda, rabanete, beterraba, cenoura...).

Alguns cuidados: os melhores horários para molhar o jardim são o comecinho da manhã, com o raiar do dia, e o finalzinho da tarde. Quando a seca coincide com a época mais fria do ano, é bom evitar molhar as folhas se a irrigação é feita no final do dia. Há muitos fungos que adoram o frio junto com a umidade e molhar sempre as folhas no início da noite pode favorecer os mofos, ferrugens, manchas, oídios e míldios que deixam nossas plantas tristes, feias e doentes. Molhar no meio do dia é melhor do que nada, mas o mesmo cuidado é necessário. Ao molhar as folhas no meio de um dia quente e seco, a temperatura na superfície foliar cai, o que engana a planta. Ela pensa que está nublado, abre seus estômatos para respirar e... desidrata... porque na verdade está sol e seco. Pode até morrer! Portanto, molhamos abundantemente as folhas somente quando a irrigação é feita no começo do dia, senão, melhor mesmo é molhar o solo, ao pé das plantas. Ainda, quando molhamos no meio do dia, a água rapidamente evapora e pouco fica para matar a sede das plantas. Quando irrigamos ao final do dia, a umidade permanece por perto por muito mais tempo no ambiente, hidratando profundamente todo o sistema.

Certa vez, alguém me falou de um ditado antigo que diz que “quem molha, olha”. Achei perfeito. Molho para olhar. Molho e olho. É nesse momento que vejo quem precisa de um cuidado extra, quem precisa de poda, de manejo, quem precisa sair do sistema, ter suas sementes ou frutos colhidos ou ser multiplicada para virar mudas espalhadas pelo jardim. Molhar as plantas é um momento de muito prazer e conexão com minhas companheiras de moradia. Por isso, acho que é bacana, mesmo quando optamos por irrigar mecanicamente (com sistemas adequados ao seu jardim), mantermos alguns pedaços do jardim sob irrigação manual. O conforto do sistema automático pode nos afastar do jardim e... quando percebemos... há meses que não vamos lá olhar as nossas plantas. A responsabilidade em molhar o jardim diariamente nos “obriga” a estar presente e a nossa presença é o que faz o jardim feliz. Assim como acontece com a nossa relação com as pessoas que amamos, algumas “obrigações” são muito bem vindas e nos aproximam. Foi minha “obrigação” de levar minha filha diariamente para a escola na sua transição entre a infância e a adolescência que criou o espaço perfeito para que eu pudesse ouvir suas angústias, reflexões, partilhas ao longo do trajeto que fazíamos de carro. É a “obrigação” diária de acordar cedíssimo e cobrir minha caçula de beijos de bom dia que gera nosso espaço secreto de amor e confiança durante o qual ela me conta o que sonhou durante a noite. Assim como é na “obrigação” de colocá-la para dormir lendo histórias que posso compartilhar minhas visões de mundo e meu amor pela leitura.

Por isso, é com gratidão que, diariamente, molho as minhas plantas, na mangueira mesmo, em meditação, cantando mantras e conversando com elas. Ao segurar na mangueira e sentir a água passando, lembro-me que a água é o meio universal que conecta todos os Seres. Imanto nessa água, capaz de carregar sentimentos e emoções, o meu profundo amor. O Jardim? Responde com beleza e alimento!

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