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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Plantas e Humanos em Coevolução

Em genética de populações, coevolução é o fenômeno pelo qual diferentes espécies se modificam ao longo das gerações como resultado da interação que acontece entre elas.

Um exemplo clássico é a evolução de muitas das substâncias de defesa produzidas pelas plantas. As plantas que consideramos venenosas são plantas que produzem substâncias tóxicas que as protegem do ataque dos herbívoros. Vejam o caso da comigo-ninguém-pode, que é uma planta ornamental muito linda que produz um látex urticante e venenoso. A sua toxicidade é devida à produção de cristais de oxalato de cálcio em forma de agulhas, as ráfides. Pode ser que sua ancestral não tivesse ráfides. Nesse caso, era provável que, frequentemente, as plantas fossem devoradas por diversos herbívoros. De repente, uma mutação fez com que uma planta passasse a produzir uma substância muito tóxica para esses herbívoros. Essa planta, não tendo sido devorada pelos herbívoros, por hipótese, uma lagarta, produziu muito mais sementes que as que não produziam a tal substância tóxica. Conseguindo viver mais tempo, deixava muito mais descendentes.  Suas sementes se espalharam de tal forma que a proporção de plantas que produziam a tal substância tóxica foi aumentando cada vez mais ao longo das gerações, até que sobrassem somente plantas produtoras da substância tóxica. Enquanto isso, aconteceu um outro fenômeno: uma mutação surgiu em um dos indivíduos da lagarta. Essa mutação permitia à lagarta que seu sistema digestivo decompusesse a tal substância. A lagarta conseguia se alimentar da comigo-ninguém-pode, mesmo que ela possuísse a substância tóxica. Somente as lagartas que tinham essa mutação conseguiam se alimentar adequadamente. Essas, a cada geração, deixavam muito mais descendentes do que aquelas que não sofriam com o efeito da substância tóxica. Resultado? Após algumas gerações, todas as lagartas existentes eram capazes de digerir a substância tóxica, mesmo que todas as plantas a produzissem. Ou seja, a tal substância não servia mais para proteger a planta da lagarta. Mas ambas haviam mudado. Isso é coevolução: as espécies se modificando ao longo das gerações em função da pressão de seleção resultante da relação com outras espécies. 

Esse fenômeno pode ter acontecido muitas vezes e de diversas formas ao longo da evolução da comigo-ninguém-pode. Em uma dessas vezes, houve uma mutação que fez com que a comigo-ninguém-pode produzisse ráfides. E é assim que as plantas possuem várias substâncias, sendo que algumas servem atualmente para algo e outras, que não causam nenhum efeito deletério na planta, foram ficando... e é por isso que hoje temos tantas plantas medicinais e aromáticas. 


Mas não é só para a defesa que a coevolução! Foi assim também que surgiram os cheiros e as cores espetaculares das flores que atraem insetos e pássaros que, por sua vez, possuem bicos e trombas do tamanho perfeito para chegar ao néctar. Foi assim, por meio da coevolução que se desenvolveram, por exemplo, as formas incríveis das orquídeas, parecidíssimas com os insetos que as polinizam. Quanto mais parecida com o inseto, maior a chance de polinização e maior a quantidade de descendentes. Geração após geração, a quantidade de flores mais parecidas com o polinizador era maior. 

Foi por meio da coevolução que boa parte da biodiversidade existente hoje no nosso planeta surgiu. 

A domesticação, por outro lado, é o processo pelo qual as plantas e os animais que nós, humanos, usamos para suprir as nossas necessidades são modificadas por nós, ao longo das gerações, conscientemente, de forma que as modificações atendam aos nossos interesses. É assim que hoje há milhos com grãos e espigas grandes e nutritivos bem diferentes dos grãos da planta que lhe deu origem, o teosinte. Agricultores e agricultoras, ao longo das gerações, escolheram os grãos maiores e mais produtivos, e o milho foi sendo transformado para atender aos nossos interesses.

Venho pensando sobre algumas plantas que nós, humanos, usamos há muitas gerações na forma de chás, medicinas, magias. As plantas medicinais, aromáticas e mágicas. Há milênios, plantas como a sálvia, o manjericão ou a mirra vêm sendo plantadas e utilizadas pelos seres humanos. E há milênios nós as podamos e colhemos. Acho que é por isso que muitas plantas exigem que as podemos para continuarem vivas. O manjericão é assim. Se não for podado quando está em flor, acaba morrendo logo depois de florescer. Se o podamos na época certa, pode continuar vivendo por anos. É assim também com a pimenta. Ela fica muito mais saudável se estamos sempre colhendo seus frutos. Se os deixamos secar na planta, ela acaba definhando e morrendo. Umas espécie de dependência é criada ao longo do processo de domesticação! Vejam o que acontece com os animais domésticos. São quase que totalmente dependentes de nós. Até afetivamente, como acontece com os cães. 

Na domesticação, a relação é unidirecional. Humanos selecionando e modificando animais e plantas. Na coevolução, ambas as espécies envolvidas se modificam como resultado da relação entre elas. 

Assim, temos, há milhares de anos, provocado mudanças nas plantas como resultado da seleção das sementes para plantio e como resultado do manejo ao qual as submetemos. E nós, humanos? Essas relações que temos com as plantas e os animais... como têm nos modificado? O que estamos dispostos a deixar plantas e bichos modificarem em nós? Ainda que mais para a poesia do que para a ciência, penso que vale pensarmos em como nossa relação com as plantas e com os animais pode nos levar a (co)evoluirmos para o benefício de ambos. 

Revirando teoria e ciência pelo avesso, sonho com a possibilidade de que a co-evolução deixe de parecer somente uma corrida para ver quem é que vai se dar melhor mas, ao contrário, que seja o impulso que nos conduza mais rápido às mudanças necessárias para que alcancemos logo o mundo de paz e abundância que todos desejamos... 

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